LA PAZ
A gota vertiginosa vazava por entre as pernas. Um vazio de dentro saia da piscina azul e só. Estava lá eu entre o abafado tempo e um translúcido ar, condicionado a ser sempre ali. Entrei. Sentei no sofá ao seu lado. Ele me olhava inteira e eu... Temendo águas incontidas. Aceitei um sorriso, sua bolsa ao lado, marrom, misteriosa, seus pés em chinelos simples e uma calça jeans. Suspeita de desejo, sussurrei:
- Preciso subir! Estou molhada!
Ele:
-Subo com você!
O elevador era passaporte, fechava-se e se abria um portal de eternidade e de mistério insondável. Beijou-me. Subiu meu vestido encharcado de sentidos, e num súbito era um amante, talvez o primeiro.
Num repente de alcova, um cheiro antes impossível. Ali. Em mim. Nele. Sim. Algo de desconhecido a habitar-me, eu. Ele me encontrava. Meu corpo nu e eu, a pressentir-me, perdia-me, buscava-me. Comigo estrangeira língua a escavar-me sensações. Murmurava meu corpo – Ermosa, ermosa! – Julieta a esperar antiga escalada de sacadas minhas. Seus pelos e suas pernas roçando canções. Rouxinol, cotovia. Espuma. Meus seios na boca salivar. Corria, corria, corria e como o rio, o gozo... E...Enfim...
Aurora.
Fiquei, parti assim sem repostas a indagar. Passava das cinco horas. Ele lá. Eu. Eu. Eu avancei levando-o no cheiro, estranho, por entre a redentora madrugada. Livre, líquida, escorrendo o mundo.
ROOM
- Boca é rio – Disse sentada sobre a cama, olhando-me sequiosa de ser – Quero beijar há muito. Muito!
(Pausa)
Arrastamo-nos para um outro quarto sem saber. Fui. Saboreando-a o risco, arrancando paredes, sentindo-me escoar e vendo estrelas em seu sorriso e também o meu. Um desejo, dois, duas no chão. Engolia-nos saliva e dentes.
(Pausa)
- Sintonia é room – Disse, afundando dedos dela e língua dentro e nas margens de mim. Um tremor de pernas e, num repente, baque. O tapete vermelho da sala a suportar unhas cravadas nas carnes a escorrer o suor quase ideal. Num embalo, Caetano. Caetano nos corpos a comerem-se, corpos em sela de cavalos, a galopes, trotes cruzados, gozozos e extasiantes.
(Pausa)
Uma calma.
- Olhos é mar – disse acreditando no momento como eternidade.
QUARTZO
Quase meia noite e as cinzas da quarta-feira versavam em frente à igreja velha de Olinda. As mãos grossas e cheias de peso eram seu caminho pelo meu corpo. – Você está um tanto tensa, disse, esfregando seus dedos machos em meu pescoço à espera. – Perdi uma amiga no bloco, não sei o que fazer, expliquei. O rapaz, seguro, suspirava quente em meu ouvido. Algo de deslumbrado revelava-se. Sem ocultar a excitação, soltava um lindo riso sensual e atraente e movediço. Meus cabelos ostentavam flores vermelhas. Uma fantasia em dia de Boi. Era eu porta-estandarte e ele, com baqueta em punho, ofertava-me uma música, batuques em dia de carnaval. No peito nu de homem, nu, uma pedra rosa anunciava um sinal. A mesma que joguei à Deusa em dia de ano. A mesma.
MADRUGADAS
Acompanhou-me até o banheiro sob à lua crescente. Um segredo, um beijo e a terra ardendo em toda sua complexidade a pupular fagulhas que só faziam aumentar constante sede. Escuro adiante. Olhos dela a penetrar a suíte, a penetrar-me como dedos na argila quente e profunda. Suas mãos a esculpir-me desejo, a sugar-me águas. Inteira, Intensa. Sussurros e pausas, uma aprendizagem silenciosa de prazeres guiando-nos à cama. Sem dúvida sentia-me habilidosa, ocupando um universo, digamos, surreal. Sim, era uma super realidade toda aquela alcova, tão nítida, tão vista e, contraditoriamente, oculta. No dia seguinte, tentamos com paciência a expectativa da madrugada. Estávamos à espreita. Com os sentidos instigados pelo mundo que nos cercava como se adentrássemos cada vez mais nas terras veladas de Afrodite. E, inevitavelmente. Tudo de novo aconteceu.
LÍQUIDAWEB
Goles de cerveja em verde e enfática garrafa. Fálica. Engulo. Saliva descendo na espera de gozo prometido. Cheiro de terra molhada. Molhada estou. Corpo. Terra prometida. Vejo sua boca. É imagem primeira que vejo. Ela vê meu colo. – Vontade de beijar você toda! – diz – Quero te fazer sentir! – diz. Ouço. Sinto. Vazo por poros, escorrego desejo. A web nos enreda, faz-nos esquecer espaços díspares. Toco para ela. Uma canção. A mesma. Toco-me. O violão. Ela diz do meu sorriso. Ouço. Sorrio séria. Séria! - Ela diz - Sou líquida – digo eu. Permeio recantos e rodapés do quarto, da sala. Descem secreções minhas pelas escadas do prédio, avançam em caminho até o mar, lá deságuam. Molham. Isso é hipnose, creio!
ERRANTE
Intrigou-me sua chegada em dia de festa. Chegada serena e imperceptível, quase. Eu o vi. De pronto, senti-o acanhado margear o salão. Chamei-o para a dança. Os corpos desencontrados, ao princípio, acalmaram-se no toque, sutil, licencioso. Senti seu cheiro e um sotaque de longe. Fiz perguntas e uma resposta delicada, estrangeira:
- Desculpe, mas não consigo falar e dançar ao mesmo tempo.
- Então, vamos parar! – disse eu sorrindo.
(pausa)
- Seus olhos trazem algo de tão especial. Traços árabes. Linda você.
- Doce você, Tom!
- Sou judeu.
(silêncio sereno)
- Aqui na floresta, eu, você, este encontro. – continuou o rapaz.
- Aqui na floresta perco-me sempre de um senso outro, afundo-me no senso de mim. – refleti.
- A floresta é mágica. A floresta ocupa-se disso.
(olhar sereno)
- Vamos dançar novamente? Apóia tua mão nas minhas costas. Firme. Eu te seguro. Guio-te na floresta. Encosta em mim? Há aqui por entre minhas coxas água e terra prometida. Encosta. Inebriante e perto.
(dança incessante)
Olhos abertos dele protegidos pelos óculos que guardavam traços de sua beleza. Olhos fechados meus gritavam o corpo, sentindo o talento dos quadris e o rio a fortalecer a alma. Ali, simplesmente queria desvencilhar-me do que fui. Fugir do previsível, escapar da redundância. Fazer-me aberta ao que está por vir...
(repente)
- Quero um beijo tanto! Teu!
(dança suspensa)
- Desculpa, mulher! Minha boca queima. Queimo. O beijo será assim errância e promissão.
(um enigma)
MONTPARNASSE BIENVENUE
Era hora de ir. Ritualizei-me com essências, cores e para afundar-me, o vinho. Usaria verde, um vestido fino e leve e meu. Destaquei os olhos. A pele como um aroma primevo, de terra. E os cabelos, os cabelos. Antes de avançar, senti-me no espelho, bonita. Farejava virtual sua presença. Desejava-o perto, seus olhos e mistérios estrageiros. Estava ébria. Não conhecia o hotel, nem a distância e ali um nada a contemplar-me. Nas mãos fui com impulso de malas e passos marcando a cartografia da cidade em completo encantamento. Era uma liberdade que experimentava e o encontro marcado no crepúsculo e ele com olhos de uma espera azul. A lua dizia da janela um sorriso minguante. Subindo as escadas, anunciei-me e o avistei com asas, flechas a me seduzir. Era eu bem vinda. De pronto, ele me acolheu à sua frente e o vinho a confundir-me. Paris cai em noite escutra, intensa e essencial. O quarto flameja, a vida consome-se em palavras e bocas. O coração, selvagem. O instante permitia o apreço do desejo em pulsação e ao mesmo tempo, o medo. Mas um medo íntimo, mínimo, por que eu era o mundo. Ali. Ele a sugar-me olhos e seu peito nu, másculo e frágil e só. Perdi a identidade do tempo que nos atravessava e nos dizia gritos silenciosos. Não mais idiomas a dar conta do estado súbito e vital do universo. Dois a engolir-se na cama, aquela, cúmplice do romper da madrugada. Senti-me pronta, numa maturidade de rosa plena. E essa certeza fazia-me deixar desorientar na escuridão, por que meus olhos viam ali, meu faro me conduzia e o ar, o ar leve e fresco. Da moldura do quarto um vento e o sono embriagado, eu e ele e a surpresa de estar viva.
PLEASURE
Pensei um instante em Deus e na ideia existencial de paraíso ao sentir suas mãos e boca percorrendo o colo, o meu. Era real tudo aquilo, sensações e corpo em frêmito. Dentro, o pupular de células e fora o escoar de secreções numa espera de gozo. Deus é sábio, pensei, e como partículas divinas sabemos o prazer, tocando pele e estrelas.
MEMÓRIA
As suspeitas começaram quase agora, quando descobri, mais uma vez, minha natureza. Estava a arrumar papéis e livros e a vida que se reorganiza, quando me vi buscando arrumar o sentido. O Deus em todo recanto da casa. A todo momento quero achar que estou no lugar certo, na poltrona marrom, na cama da rainha ou no tapete vermelho, que me acolhe, mas o lugar é a busca, as nuvens que me engolem, o caminho divino que não está em margens, não está na cidade, nas ruas, calçadas, derivas, e homens e mulheres. Não sei onde está! Estou febril de saudade e o samba me fragiliza, faz-me pensar em fontes, em fatos, e brilho os olhos e choro no fluxo da memória e do sentido. E lá, na memória, sossego, reafirmo a trajetória, saciando o desejo, a paixão, a cascata cristalina de Deus, o poder da criação. Por esta altura, estou alta demais e não há cúmplices na procura, só a solidão que é só por natureza, aquela que é minha. Por fim, continuo. Suspeito, suspeito...
DESPERTA
Hoje acordei com o galo do meu peito, abri a porta e o areal da praia invadiu meu corpo. Pensei... Como é bom entrar nas libertas águas do mar.
VAZAMENTO
Quando escrevo observo pulsões primevas a escorrer de minhas palavras. Escorro. Escorro ante ao mundo incompreensível e dotado da potência de Deus.
ENSAIO
Proseco em veias e coração. Imagens várias e a embriaguez dionisíaca, no impetuoso percorrer de todas as escalas da alma. A natureza começa a se expressar em sua força mais elevada. Quero manifestar a essência do fenômeno e, em cada momento criador, engendrar um novo mundo, respirar o enigma de estar aqui, presente de viver.
CHAGALL
Madrugada de oníricas visões. Noiva de natureza vermelha. Sons de bodes e violoncelo entre pernas.
VOO
Amo o abismo e tenho asas fortes feitas de penas e plumas para no mais fundo adentrar em mim.
RÉGIA
Há pouco velei teu sono. Olhei teu sonho inquieto. Eu estava ali, entre árvores, flores, bichos e desejos. Orbitava teu reinado d’água como os negros jardineiros a carregar vasos e pensamentos de ti.
CERTEZA
Adoro florestas e jardins. Não tenho dúvida de ser eu quem os habita, como habitam em mim.
OBSCENA
Um jardim inteiro me atravessava. Orquídeas de um roxo d’antes. Seus lábios sussurravam segredos tão íntimos. Amarela. Tão intensa a obscenidade ingênua das flores.
ABRAÇO
A aranha impassível como se não escutasse a água. Insistente o seu fluxo. Oito patas teciam uma rede que abraçava as plantas e meu coração. Um impulso de natureza me dizia. Ai, que sensação de grito, que anseio!
CONSTATAÇÃO
Engraçada são as bromélias. Um abrir-se constante. Uma doação sorridente. Gargalham, guardam na língua a saliva molhada. Uma boca inteira de água e visível prazer.
Falos
Escadas
Suspensas
ESPELHO
Sua boca espelha obscenamente,
ardentemente o seu sexo
minha saliva encontra o leite que escorre da sua boca
seu leite vaza meus poros
encontra o meu sexo
nos beijamos tão próximas
encontramo-nos na encruzilhada das virilhas
dedos afundando e prazer
e meus seios
no afeto de suas mãos
mamilos e língua
e tremor de pernas
crepitar da fogueira
e gozo
CAVA
A linha da mulher é tênue
Mistério movediço e insondável
É da caverna que vejo
De dentro
Do íntimo
Das sombras
É longilínea, sofisticada
Observava pela nesga de luz, pensando em tudo que é água
Sinto-me satisfeita sobre quem lanço meus olhos
Ainda perplexa ante a gravidade da imagem, avivei o sangue e... Continuei.
RECONHECIMENTO
De repente, senti que se alinharam planetas em mim... Suavemente, migrei para o meio da cama e ela era minha. Como toda a casa. Acho que estou virando o sol, centro do meu universo.
BÁRBARA
A certa altura, abraçou mais forte o tempo e enrolou seus "R"s. Parecia que afundava em si mesma, cortando-se com bisturis. Intensa a mulher, mostrava suas cavas e se dizia guerreira. Sim, ela é. Ela vai amanhã de frente, acreditando no demorar da vida.