Espetáculos

Salema - Sussurros dos Afogados (Teatro)

Salema é nome de um belo peixe – em sua coloração esverdeada, plúmbea e prateada, ornado com um círculo negro - comedor de outros peixes e que, entre outras denominações, chamam mercador. Seus significados ampliam-se, se jogarmos com os deslocamentos e combinações de suas letras e sílabas: ele ama e implora que o ame; ele é de sal e de mar; ele é sela e cela de si mesmo; por amor, seu mel, seu mal, seu lema e sua lama (ARAÚJO LEITE, 2003).

Jogando com estas metáforas, o dramaturgo pernambucano Joaquim Cardozo trança as pulsões de amor (vida) e morte, engendrando o texto Capataz de Salema (1975), uma conjectura dramática, na qual não se furta em experimentar linhas, formas, volumes, cores, sons, numa grande sinfonia tanática de palavras para a cena nova que constrói. Seu teatro híbrido, épico, político, social, sem proselitismo, é essencialmente dialético e sobremaneira poéticoteatral.

Inspirado, primordialmente, no imaginário proposto pelo texto Capataz de Salema, o espetáculo Salema – Sussurros dos Afogados, criado pela Formação 13 da Escola Livre de Teatro de Santo André, sob minha direção geral e direção de atores de Alexandre Tenório, transita pelas proposições de amor e morte cardozianas, abordando-as por um prisma mítico e as aproximando de dramaturgias afins, como Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues e Electra Enlutada, de Eugene O’neil, onde o mar é o grande devorador da vida e senhor das grandes transformações.

Entretanto, a relevância do espetáculo não se esgota nas obras de inspirações maiores, desvela-se também pela singularidade de seu processo de criação, que se estruturou a partir de dois aportes, a Artetnografia e a Mitodologia em Artes Cênicas, conceitos desenvolvidos por mim, em minhas pesquisas de mestrado e doutorado (UNICAMP-2005/2011). A partir da ideia da Artetnografia, os aprendizes deslocaram-se da sala de ensaio e fomentaram um campo de fricção entre as dramaturgias citadas com o universo da comunidade pesqueira da Ilha do Cardoso (Pontal do Leste), em São Paulo-SP, onde experimentaram um processo de afetação com um contexto de alteridade, potencializando a construção da encenação. A vivência da Formação 13 em uma realidade social específica estabeleceu uma interelação entre tempos e espaços diferentes. De um lado uma praia do Nordeste brasileiro próximo à Olinda, espaço ficcional, onde se passa a conjectura dramática Capataz de Salema e de outro, a comunidade pesqueira da Ilha do Cardoso, como uma pequena área ocupada por treze famílias, de vida simples, onde o mar se apresenta como grande parceiro fonte de alimento e ao mesmo tempo grande senhor da morte.

O desdobramento da Jornada Artetnográfica na Ilha do Cardoso, realizada em julho de 2012, firmou-se nos experimentos com a Mitodologia em Arte, complexo de procedimentos de criação, que parte de práticas rituais e temáticas míticas para criação cênica. Por meio da Mitodologia, foram associadas as experiências de campo a questões pessoais dos aprendizes acerca das temáticas amor/morte, numa f(r)icção com o texto-base de Joaquim Cardozo. Do trânsito entre o trabalho artetnográfico e os laboratórios mitodológicos em sala de ensaio, a montagem se desenvolveu, ainda se fazendo valer da preparação corporal com método Feldenkrais. Com esta montagem, nasce a Cia. Luzia de Teatro, assegurando a vida e o teatro em sua transitoriedade.

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