Homens e caranguejos - texto teatral e trilha sonora original
Josué de Castro é uma destas figuras marcantes de cientista, que teve uma profunda influência na vida da nacional e grande projeção internacional nos anos que decorreram entre 1930 e 1973. Ele dedicou o melhor de seu tempo e de seu talento para chamar a atenção para o problema da fome e da miséria que assolavam, e que infelizmente ainda assolam o mundo, e numa abordagem multidisciplinar, também estudou questões de interesse global que lhe são relacionadas, como o meio ambiente, o subdesenvolvimento e a paz. A despeito do exílio durante a ditadura militar, a que foi submetido em Paris, após cumprir importantes cargos institucionais e mandatos políticos no Nordeste, continuou produzindo intelectualmente. Foi professor da Sorbonne e duas vezes indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz. No exterior, tomado de saudade, Josué escreveu seu único romance, "Homens e Caranguejos", falecendo em 1973, ainda expatriado na França. Há três anos, inspirada na jornada investigativa de Castro e apoiada pela família do pesquisador, a dramaturga e encenadora pernambucana Luciana Lyra em parceria com o Coletivo Cênico Joanas Incendeiam (SP) começou a empreender uma escritura teatral para o romance "Homens e Caranguejos", resultando numa estrutura dramatúrgica e na encenação desta dramaturgia. A dramaturgia de "Homens e Caranguejos" procura estabelecer uma linha contínua entre o mundo do sertanejo e a marginália urbana das favelas. O sertão, o grande outro da civilização tropical, de onde partem o Menino e seu Pai, antecede a migração para a cidade destinada, para o mangue paradisíaco, a grande mãe que tudo dá, caranguejo e casa, mas é movediça e inconstante. No perigoso labirinto do mangue e das favelas, a dramaturgia procura se largar, alcançando sua dimensão mítica. O Menino, O Pai, Cosme, O Padre, Chico (o barqueiro) e Idalina, passam de personagens do livro a arquétipos, personas, dilatando a visão pré determinada, que emoldura o retrato da pobreza como coitada e explorada, para encontrar justamente aí, seu calibre mitológico, os lumes de dignidade e potência. No processo de criação de "Homens e Caranguejos", a equipe de criação do trabalho encontrou comunidades semelhantes à Aldeia Teimosa, lugarejo ficcional do romance de Castro, criando uma fricção entre o real e o imaginário. As artistas envolvidas caíram em campo na Ilha de Deus, no coração da cidade do Recife, e no Boqueirão, em São Paulo, buscando descortinar a atualidade da obra de Josué, entrecruzando a experiência do cientista, poetizada em seu romance, com a experiência nestas comunidades periféricas. Por meio da Artetnografia, realidade e ficção geraram um campo de f(r)icção. Os anos sessenta do último século decorrido e relatado no livro tornavam-se presentes na experiência das comunidades atuais. Imagens do passado de um Josué romanceado se articulavam a um presente, eminentemente real e, a um só tempo, performático. Seguindo o rastro da dramaturgia, a trilha sonora criada para a peça é de autoria das artistas envolvidas no processo tendo como diretor musical o músico pernambucano Nilton Jr., idealizador do grupo Pandeiro do Mestre e que tem suas composições voltadas para a pesquisa de ritmos e manifestações populares, as raízes tradicionais da música pernambucana, como o Coco. As canções são fundamentadas tanto na narrativa de Castro quanto na experiência vivida em campo na Ilha de Deus e no Boqueirão.